sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Estava hoje pensando sobre as semelhanças entre a vida de uma pessoa normal, que não está tendo, nem terá seus 15 minutos de fama e dos que concorrem a uma grana alta nesses programas da televisão, tipo BBB e Casa dos Artistas, mas que de reality  mesmo, não tem quase nada. Mas isso é outra história, o assunto aqui é prisão.

Vivo um momento da minha vida em que também não posso sair de casa, não vejo amigos e também choro ao lembrar da família e dos que estão “fora da casa”, a minha, no caso.
Acho que a principal diferença é que não fui atrás dessa condição. Não me inscrevi pela internet, não mandei carta, muito menos fiz um vídeo ridículo cantando uma música de um grupo qualquer  ou dizendo o quanto a minha participação na casa vai ser importante, porque sou uma pessoa muito inteligente e que busco meus objetivos (isso tudo, quase sem roupa e fazendo cara de sensual).

Não poder sair de casa é uma realidade que eu tive que engolir, se não quiser passar dessa para a terra dos pés juntos, e lá meus amigos não tem liderança que te salve mais uma semana. Minha vida no momento se reduz a casa, casa e casa, com alguns momentos de televisão e internet, porque ninguém é de ferro. Todos os dias eu acordo com a seguinte pergunta: quando será a minha grande final? Mesmo não ganhando um milhão de reais, é tudo o que eu mais quero no momento.

Eu e meu psicólogo I

Hoje, tive a segunda consulta com o psicólogo. Na verdade, hoje, eu descobri que o que eu faço se chama psicoterapia e que o psicólogo é o terapeuta. Antes eu achava que só maluco fazia essas coisas. Maluco ou rico, porque eita gente pra ter problema é rico né? Vira e mexe vão fazer análise, terapia, etc... Sabem que maluco e rico as vezes são quase a mesma coisa.

A consulta de hoje foi diferente. Já estava mais confiante com o doutor Maurício e acho que ele comigo também. Acho que daqui pra frente vai ser assim, quanto mais eu conhecer o doutor, mais eu vou conseguir falar e me abrir. Na primeira vez eu achei um pouco estranho estar ali falando, ou tentando falar, coisas da minha vida, particulares, para uma pessoa que eu nem sabia quem era. Confesso que não me senti muito confortável, mas fazer o que? Já estava ali mesmo, só me restava cair pra dentro e falar da vida, uma vida que eu acho que ele não conhece muito bem, porque a maioria dos seus pacientes, ou clientes, como já percebi que eles falam às vezes, devem ser os bacanas, que as vidas estão bem longe de ser parecidas com a minha.


Na primeira consulta o Dr. Mauricio me deixou mais falando, não perguntou quase nada e mesmo que eu não estivesse tão confortável, falei muita coisa, lembrei de muita coisa, e até chorei. Hoje foi um pouco diferente. Ele já começou me perguntando coisas da minha família, da minha infância, como foi, onde morava. Disse que eu falo muito bem. Acho que ele ficou surpreso quando eu falei onde nasci. Eu expliquei para ele que estudei, terminei meus estudos, até o segundo grau, até comecei um cursinho barato de inglês, mas não consegui terminar. Ele ainda não perguntou como eu conseguia dinheiro, e tomara que não pergunte.

Eu contei também uma coisa que ele nem perguntou, mas saiu, quando eu vi já tinha falado. disse que tem um monte de gente fazendo um trabalho comigo, mas não entrei muito em detalhes.

Mesmo já conhecendo o Dr. Mauricio, eu continuei um pouco desconfortável, e dessa vez, até com medo. O que será que ele ainda vai me perguntar? Do que mais ainda vou ter que lembrar nessas consultas? Será que isso vai afastar ou reviver os meus fantasmas? Saí do consultório pensando seriamente em não voltar mais lá, pensando em até que ponto isso vai me ajudar. Mas resolvi voltar sim, porque preciso de ajuda. Mesmo doendo algumas vezes, acredito que vá me ajudar. Acho que a dor também pode salvar né? O que acham?

* Gostaria de agradecer a pessoa que me indicou esse médico e também a quem me disse que eu precisava de um.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Minha vida está mudando pra melhor, muito melhor.

Eu tenho andado acuada, assustada e muito envergonhada quando vejo tantas pessoas querendo me ajudar, quando sei que tem muita gente no Brasil, no Rio, que merecem essas ajudas também. E por causa disso, eu sou uma pessoa abençoada.

Recebi um presente de deus, uma família que está crescendo todo dia. Muitos curiosos, mas muitos com pena de mim também. Mas queria que não sentissem isso por mim, porque não tô sozinha. Tenho meu padrinho, que proibiu falar no nome dele, e tenho todas vocês e alguns rapazes. Tenho muita saúde, vontade de viver e sei que não fiz nada de errado para estar vivendo escondida assim. Sei que errei muito e sei que tô pagando. Meu erro foi trabalhar com muitas meninas que vivem loucamente. Mas vamos combinar? Elas no faziam mal pra ninguém... Hoje, até vejo que faziam mal pra elas mesmas. Pra família delas, para os filhos delas...

Sei que vou ser julgada a vida toda, sei que as meninas vão ser julgadas também. Mas o pior que estou sendo condenada por um único crime: não ter aceitado fazer o que eu não queria com pessoas que eu não queria. Pior de tudo, que não posso nem dizer nada sobre isso para não piorar as coisas.

Sei que minha escrita está sem muito sentido, mas é a forma que eu encontrei de começar a escrever. Não pra ser mais do que ninguém, mas para ser alguém.
Vou contar minhas histórias aos poucos, sobre minha vida, sobre minha escola, sobre meus amores, sobre minha fé.
Uma pessoa deu uma sugestão, que foi vocês falarem sobre o que querem que eu escreva e eu vou escrevendo e vamos discutindo. Pode ser?
Então vamos fazer assim, eu vou contribuindo daqui e vocês contribuem daí.



* Quero agradecer as meninas que ajudam a arrumar minhas escritas, tá?!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Gostaria de agradecer a todo mundo que me ajudou até aqui. Com a creche, o psicólogo ou só com apoio.
Hoje foi um dia maravilhoso porque conheci um psicólogo. Nunca tinha ido em um, achava que era médico de maluco, mas vi que essa profissão pode ajudar muito quem está precisando de uma luz como eu. Agradeço ao Dr Mauricio ... que me ouviu um pouco e começou a me ajudar a passar por tudo isso. Já marcamos a próxima consulta, que deve ser melhor ainda.

Obrigada!


Dora B

Tensão no ar 2

Hoje, dia 24 de outubro de 2010, acordei cedinho para cumprir uma missão: fazer mais um pedido em favor de alguém. Esse alguém de hoje era muito especial, pois até aqui meus pedidos  em geral eram feitos em favelas dominadas por facções civis. Agora era diferente... muito diferente.
 
Cheguei, as pessoas estavam brincando na pracinha, não vi ninguém armado, o ambiente nada tinha de hostil. Eu conhecia uns três caras de lá, que foram as pessoas que viabilizaram esse encontro para fazer o tal pedido.  Nunca  acreditei na força do meu pedido, pois eu não tinha muitos argumentos, pra falar a verdade , eu não tinha argumento nenhum, exceto que a moça era gente fina e linda.  Meus amigos, ou melhor, conhecidos não eram os  "patrão", e eu sabia que na hora do "vamo vê", cada um defende o seu e eu poderia ficar era de barriga virada se o papo atravessasse.

Bibi era um motoboy lourinho, cheio de marra:

  - Tu é o celso ?   (Eu já havia avisado a cor e marca do carro.)
  - Sô!
  - Faz favor ai, desliga o celular.  Ta armado ai?
  - Não, to não...  puta merda, ele não agüentava uma porrada!
  - Sobe ai. - Trepei na moto e fui sarrando ele até o centro do problema!
   
A reunião foi relativamente tranqüila, apesar de a resposta ser só uma, simples e direta: NÃO.
Nem sempre temos sucesso nessa carreira de mediação de conflitos, ainda mais quando a gente se mete a mediar problemas que se quer conhecemos a fundo e suas reais a motivações. Mas como eu não sou Capitão Nascimento e tão pouco o Dep. Marcelo Freixo, vou resumir essa história, que o bagulho é muito doido e também porque ele não seria bom nem para a moça nem para mim, que não tenho peito de aço. Aliás, vou chamar esse texto aqui de ficção, igual ao Tropa de Elite.  Só que lá era parte ficção e aqui é tudo 100% mentirinha.
 
Por fim, os amigos que viabilizaram o contato ajudaram e muito no desenrolado, a ponto de buscar os contatos dos parentes dos filhos da Eva.
 
As crianças já foram devidamente encaminhadas para  uma vida melhor, com a ajuda de um grupo que se formou hoje na rede, sim, na rede de internet, intitulado  “os amigos da Dora”.  Um grupo de pessoas que por prazer resolveram ajudá-la e pronto. Por falar nisso você está convidado.
 
O mais impressionante é que  os caras estão com raiva, mas não dizem o motivo, então eu acho que ela deve mesmo ficar bem longe, independente de quem tem razão e como sabemos,  justiceiros em geral acreditam que só matam quem realmente merece morrer .  
 
A partir desse momento não trato mais desse assunto, nem parte dele, entrego a Eva nas mãos de Deus e nas mãos dos seus novos amigos que passam a se encontrar no blog.
 
Já que não é possível libertar a cidade de tamanha crueldade, quem sabe consigamos livrar as crianças e a Dora dos seus próprios fantasmas.

domingo, 24 de outubro de 2010

Tensão no ar

Por Celso Athayde



Essa semana, eu estava em Brasília e o meu telefone tocou. Atendi, era a cobrar... Aquela musiquinha que sempre me irrita e no geral eu não atendo, mas como eu estava em Brasília só poderia ser alguma bucha, logo não tive opção, melhor atender.

- Alô? 

Era uma voz de menina. 

- Pode falar. 


- É seu Celso?

Aquilo era foda, me transformava no Tio Sukita 

- Sim, é ele.

- Seu Celso aqui é a Dora, lembra de mim? 

Claro que eu não lembrava, mas não perdi a paciência. 

- Moça, quem te deu meu telefone? Fala logo que eu estou ocupadão, tá?! 

- Foi o pessoal da CUFA, sou a menina que o senhor procurava para falar sobre as gravações da Eva, lembra? 

Puta merda! Lembrei, claro que me lembrei, mas não acreditei, depois de tanto tempo o que essa menina de 13 anos quer comigo? Me denunciar? Não, isso não, eu não fiz nada, aliás, a voz dela era a mesma e minhas fichas começaram a cair, só que no entanto ela não tinha mais treze anos, pois cinco ou seis anos já haviam se passado.

Na época ela era linda, minha lembrança acordava. Será que ela está ligando para saber se o leão está vivo? Vai descobrir que está vivo sim... Tudo bem, sem juba, sem dente, sem força nas pernas, mas vivo e agora animado! Porém algo me puxou para a realidade, se ela está me ligando só podia ser problemas.

Continuei a ligação... 

- Fala ai garota, claro que me lembro de vocês, não é a parada do basquete? 

- Sim, isso mesmo!

Ela respondeu expressando um sorriso com ar de alivio e um pouco sem graça, foi perceptível até mesmo pelo telefone.

Disse então que precisava muito falar comigo, que era urgente e muito importante pra ela e não adiantou o assunto.

Nos encontramos no sábado e conversamos longamente, a menina não mudou nada, tem o mesmo rosto e cabelos, tudo igual.

Fiquei feliz por vê-la e preocupado com sua tensão, agia como alguém que estava sendo perseguida. 

Seu português era ótimo e sua desenvoltura era o que destoava da menina que conheci. Hoje ela está muito melhor e também conseguiu terminar o segundo grau.

Depois de falar sobre muitas coisas, o que parecia um aperitivo, finalmente entrou no assunto que justificava sua ligação: 

Vou resumir:

01 – Segundo ela, a Eva foi morta por pessoas que expulsaram o tráfico da favela onde moravam.

02 - Os filhos da Eva estão passando por dificuldades, morando na casa de pessoas que querem ajudar, mas não têm condições. 

03 - Ela fugiu e está escondida na casa de outras pessoas. Está assustadíssima e com medo de ser descoberta pelas pessoas que segundo ela tiraram a vida de Eva.

04 - Quer a minha ajuda, não pediu dinheiro, pediu que eu a ajudasse com uma creche e com trabalho. Disse que tudo que deseja é ajudar a arrumar a vida das crianças.

Nos despedimos, deixei R$ 50,00 com ela para voltar pra casa. Parti e ao longo do caminho fui pensando de que maneira eu poderia ajudá-la e não me sentir culpado, até porque, foram muitas pessoas com quem convivemos durante esses anos e não daria para ajudar todos. Mas por outro lado não dá pra fugir dessa missão e passei a pensar em soluções e alternativas que não expusessem a moça e sua vida. Não sabia da dimensão do problema, mas tinha certeza de que se fosse verdade o que ela dizia, os algozes da Eva saberiam de todos os seus passos, todos, inclusive os meus. Diante disso era necessário ter responsabilidade e muito cuidado.

Fiz contatos com algumas pessoas que deram várias sugestões, das mais impossíveis de serem realizadas, as mais simples que dificilmente daria resultado pra ela e para as crianças.

Entre algumas sugestões:

Criar um blog pra que ela possa se expressar;

Criar um Twitter;

Criar um facebook; 

Ela escrever um livro sobre suas experiências nesse universo;

Criar um grupo de pessoas que possa ter contato com ela. Existem hoje 50 (cinqüenta) pessoas dispostas a estarem em contato com ela. 

Minha decisão é:

Esperar os desdobramentos desses encontros com essas 50 pessoas;

Fazer a doação de um notebook e um modem 3G para que ela possa ter contato com o mundo externo;

Ir à comunidade aonde ocorreu o problema e falar com as lideranças para saber se ela corre risco ou não;

Fazer um contato com a Editora Objetiva e apresentá-la na tentativa de produzir um livro.

Diante de tudo isso, espero poder ajudá-la comprando alguns de seus livros e assim a promovendo. Essa é a maior ajuda que poderei dar, diante das circunstâncias e fazer com que ela se junte a tanta gente iluminada, originando assim uma nova rede.

Vida longa querida Dora!

Quanto a Eva, que ela esteja num bom lugar!


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A Boqueteira

Relato escrito por Celso Athayde
A
felicidade dos falcões ficava estampada nas suas caras quando o assunto era as boqueteiras. Esqueciam o mundo e falavam das suas experiências da maneira mais feliz possível. Era um dos poucos momentos em que relaxavam. O assunto sempre surgia, mas eu ainda não tinha tido a chance de presenciar o encontro deles com as meninas. A insistência deles no assunto me fez convencer o Bill de que era importante falar com uma boqueteira. Na época, não tínhamos a intenção de escrever sobre as mulheres, só sobre os meninos, e foi esse o meu caminho para convencer o negrão. Afinal, se as boqueteiras faziam a felicidade deles, por que não fazer uma excursão até chegar às entranhas desse boquete?
O Bill não discordava, mas ficava pensativo. Ele parecia temer que a gravação desvirtuasse para a sacanagem. Além disso, se o tema fosse amplo e complicado, iria, como acabou acontecendo, exigir ainda mais trabalho, tempo e dinheiro. Mas no fundo, ele concordava. Hoje, não tenho dúvidas de que as boqueteiras foram fundamentais para que a gente decidisse fazer um trabalho dedicado exclusivamente às mulheres que encontramos ao longo desses anos de filmagem.
Tínhamos um desafio: convencer os jovens a convencerem as meninas a falar conosco. E só falar não ia resolver; a gente tinha a necessidade de ver o bicho pegando.
Meu primeiro contato foi com Eva. Quando falei com ela pela primeira vez, tive uma sensação muito estranha. Tão estranha que até hoje não consegui definir aquele sentimento. Ela tinha corpo de mulher e ares de moleca. Era muito segura de si, mas confusa demais. Era como se eu tivesse num júri, mudando de lado a cada intervenção do advogado de defesa ou do promotor. Em alguns momentos, eu a condenava e pensava: “Vai trabalhar, sua sem-vergonha”, e em outros momentos, pensava: “Essa mulher é louca, coitada”. E pensava que ela era somente mais uma mulher lutando para se dar bem, ganhando seu dinheiro honestamente, e que o problema estava comigo, com o meu preconceito, que não me deixava ter clareza e compreensão humana para entender aqueles atos.
Eva tinha muita estrada para a sua pouca idade, um sorriso agridoce no canto da boca e o discurso de que estava apenas seguindo um curso “natural”, sobre o qual ela não tinha mais poder de influência. Isso soava até meio poético. Quando eu olhava para ela e para os garotos, nada disso era levado em consideração; só o sexo oral contava, só o sexo oral valia.
Foi criado um marketing tão grande sobre essas meninas e suas habilidades, que os rapazes pareciam incapazes de imaginar que elas pudessem lhes trazer prazer de qualquer outra forma, que não aquela. Tem campanhas que nem o Nizan Guanaes explica!
A história de Eva certamente é igual à de tantas outras mulheres que tiveram os pais de seus filhos assassinados e viraram “brinquedo na mão do palhaço”, às vezes em troca de comida, muitas vezes, talvez a maioria, em troca de pó ou outra droga qualquer.
Na favela onde encontrei Eva, essa situação não era tão comum; havia lá, trabalhando para os falcões, no máximo, vinte meninas. Cada uma delas tinha seus motivos para essa prática. Algumas pareciam preferir os falcões por conta das suas armas e do poder que eles tinham. Essas meninas poderiam muito bem fazer programas fora da favela e voltar para gastar o dinheiro nas bocas; mas não, elas pareciam reabastecer suas baterias só com os falcões. Elas se alimentavam deles, e eles, delas. Claro que não era só; havia outras coisas em jogo: drogas, dinheiro, o próprio ambiente que vicia e tantas outras razões que eu não saberia explicar. O fato é que, de certa forma, elas queriam voar com esses pássaros meninos, ainda que com as asas das drogas e do “sexo alternativo”.
Uma vez o Vaguinho tava doidão de loló e ecstasy; ele disse que ia fazer um genérico e foi embora. Mais tarde eu fiquei sabendo que tanto a expressão genérico, como alternativo, era como eles chamavam o sexo oral, o famoso e, convenhamos, gostoso, boquete. E essa expressão era usada por eles porque os garotos acreditavam que, assim, eles não pegavam o tal do HIV. Alguns diziam:
— Eu não bejo essas puta aí não, parcero, só deixo elas mamá, tá ligado... Duvido que eu bejo elas, duvido!
A Eva, em particular, tinha um talento sobrenatural, diziam os garotos dessa favela. Seu trabalho, sua arte, era defendido com unhas e dentes por alguns, e considerado serviço de utilidade pública por outros. Era o caso do Soneca, um garoto metido a falcão, eu diria um falcão frustrado, que não conseguiu entrar no crime, por causa do pulso firme e da marcação cerrada da mãe dele. Soneca era funcionário de uma padaria, convivia com os falcões da sua idade e, claro, usufruía dos benefícios que essas amizades concediam. Os benefícios variavam, desde comprar relógios em promoção relâmpago, talvez uns Ipod a preço de banana, ou, quem sabe, uns tênis para sua irmã, dados por um falcãozinho que estivesse lhe pagando algum favor. Pois bem, o Soneca me disse que o pai dele, assim como muitos pais nessa favela, o iniciou na vida masculina com uma boqueteira, quando ele completou 13 anos e já tinha vários pentelhos. Disse que os pais dessa favela preferiam as boqueteiras por duas razões: uma, porque era baratinho, e a outra, porque não precisava ir na zona. E isso não deveria espantar ninguém, porque muitas gerações de pais passaram a vida esperando seus filhos completarem 15 anos para lhes dar o sonhado presente: levar o filho na zona. Hoje, esses serviços não são mais oferecidos para menores, mesmo acompanhados do papai. Talvez esse seja mais um dos fatores que contribuem para o sucesso das boqueteiras nas favelas, local aonde a fiscalização do Juizado de Menores não tem tanta eficácia.
Pensei que essa história desmontava a idéia de que essas moças trabalhavam só para os falcões, até que o Soneca emendou que as boqueteiras dessa favela só abriam exceção para irmãos e parentes próximos dos falcões, ou, como era o caso dele, para os que eram uma espécie de falcão sem asas.
Mas, voltando a Eva, os falcões diziam que essa menina estava no ramo porque gostava do que fazia e que, apesar de ela cobrar para “pagar” um boquete ou trocar um boquete por droga, adorava sua profissão; era uma espécie de Romário, que ficou rico fazendo o que gostava, só que, no caso da Eva, acho que ela continua dura. Alguns falavam também que ela e as outras boqueteiras gostam mesmo é de estar do lado dos falcões e de ter conceito com eles. Elas têm muitos codinomes: Maria-fuzil, Mamadinha, ou simplesmente, boqueteiras.
Eva era mãe. Uma mãe que, às vezes, me fazia pensar que representava a realidade da instituição da família nas periferias de todo Brasil; a situação da família à beira da inexistência. Os alicerces foram derrubados pela liberdade ilusória, pela ausência dos pais. Mães que bebem, fumam, cheiram e se prostituem na frente de seus filhos, como se quisessem mostrar a eles o que é o mundo de verdade, dando seqüência a um ciclo vicioso interminável: filhos que vêem tudo a sua volta girar em torno das drogas, da bebida, do crime e da prostituição, que viram mães e pais que reproduzem esta mesma lógica.
Aí a bola de neve rola favela abaixo, esmerdalhando a sociedade toda, deixando um rastro de destruição irreparável.
Antes de encontrar a Eva, eu negociei com sua empresária. É isso mesmo, empresária; uma menina que não devia ter mais de 16 anos, linda, saia curta, blusa apertada, marcando os seios. Era impossível disfarçar a sensação que eles me causavam e, mesmo quando eu tentava, acho que o diabo pegava meu queixo e puxava para o decote dela novamente. Era nítido que ela sabia que era uma coisa de louco, e certamente se divertia com isso. Seus cabelos eram compridos, tinha um sorriso inesquecível, dessas meninas com as quais a gente corre o risco de receber o título de pedófilo, para depois argumentar na delegacia que ela tinha cabeça e corpo de 18. Realmente, aquela garota era uma autêntica chave de cadeia. Mas nenhuma corte aplicaria a prisão perpétua; seus dotes, suas vestimentas, suas provocações físicas e naturais deveriam ser levados em consideração, tinham que constar nos autos.
Nos encontramos de tarde. Eu estava com o Felha. Ele ficou afastado, porque eu tinha receio de ela ficar grilada se tivesse muita gente. Eu também tinha outro receio: de ela cobrar para facilitar a nossa vida e viabilizar a entrevista, e isso não seria possível. Bill e eu havíamos definido que nenhum centavo seria pago a quem participasse, sob qualquer alegação, e que a maior parte dos recursos gerados pelo projeto seriam investidos nas ações da Cufa, o que significaria devolver o resultado para as favelas. Se a menina empresária nos cobrasse, o projeto, infelizmente, seria abortado. Mas ela sequer tocou nesse assunto. Em nenhum momento falou em cachê para a sua contratada. Muito pelo contrário; disse que ia ajudar porque uns falcões tinham pedido para ela colaborar. Para puxar assunto, perguntei quem tinha pedido. Ela citou alguns nomes dos quais eu não me lembrava e falou do Soneca, o falso falcão. Disse que ele também deu a maior força para Eva colaborar.
A essa altura, a ingenuidade da menina desestimulava o meu instinto selvagem e predador. Ela passava a ter voz de menina mesmo; olhar de menina e, sobretudo, vocabulário de menina inocente. Eu passava a ter raiva de mim mesmo por ter permitido aqueles pensamentos sombrios. Passava a culpar a minha mente por tamanha maldade. Ela parecia uma daquelas meninas que não se dão conta da armadilha, quando, por exemplo, nos ônibus lotados, algum malandro se oferece para segurar seus cadernos, só para garantir a presença de suas coxas bem próximas à cara, ou pior, para lhes garantir que seus ombros adestrados alcancem o centro nervoso das ingênuas e lá permaneçam engatados, por mais que o ônibus balance até o limite, o ponto final.
A minha conversa agora era diferente, era com uma menina de verdade, apesar da profissão.
Mesmo assim, eu precisava saber de algo:
— Dora, você também paga?
— O quê?
Eu não sabia se podia falar ou não, mas falei.
— Você também paga boquete?
Ela imediatamente confirmou o que eu lia nos seus olhos:
— Deus me livre, eu não faço isso não, eu só trabalho com ela, eu não pago nada não!
Apesar de achar estranho e de não acreditar inteiramente, tamanho o envolvimento dela, fiquei feliz por ela não ser boqueteira. Talvez ela conseguisse um bom casamento por ali, sei lá, com um bombeiro, ou, com um pouco mais de sorte, com um dono de tendinha. Enfim, passei a torcer para que seu coração se apaixonasse por alguém da classe alta da favela. Continuei negociando a entrevista até que marcamos para o dia seguinte.
No outro dia, chegamos, como sempre, na hora marcada, e usamos a mesma estratégia: o Felha, com a câmera, ficou distante, aguardando a hora do bote. A jovem empresária chegou, trazendo seu jeito de menina e uma timidez angelical, que eu já tinha detectado na tarde anterior. Conversamos um pouco. A menina ligava para a Eva a cada dois minutos, fazendo pressão para que ela chegasse logo, e dizia que o moço tava esperando por ela. Enquanto nossa conversa rolava, as senhoras da favela, que passavam por nós, olhavam pra mim com uma certa reprovação. Ou, talvez, fosse neurose minha. Mas, se não fosse, as senhoras certamente deviam achar que eu também estava na putaria. E, de fato, talvez eu estivesse na tarde anterior, se a minha jovem empresária tivesse conduzido a nossa conversa para outro rumo. Ou talvez preso, ou quem sabe feliz.
Por fim a nossa Eva chegou. Ela veio com uma saia curta preta, cinto prata, usava uma blusa de algodão vermelha e um colar de bolas grandes e amareladas. Tinha o cabelo preso e molhado. Ela cumprimentou a sua empresária e me ofereceu um sorriso amigo e fraterno.
Ela devia ter lá seus 20 anos, era morena. Para quem é mais velho, ela lembrava a Índia Potira do programa do Chacrinha. Para quem é mais jovem, ela lembrava a Luana, aquela morena do programa do Luciano Huck. Seus olhos eram de peixe morto, nada diziam. Antes da nossa conversa começar, ela disse que precisava fazer uma coisa rapidinho, tinha um menino esperando por ela, e que depois ela falaria comigo sem interrupção. E, na verdade, os falcões estavam voando baixo desde o primeiro momento em que ela colocou os pés na favela. Parecia que ia acontecer uma festa, o que me dava a certeza de que ela devia ser muito boa na sua praia.
Perguntei a ela se estava indo fazer algum trabalho e se eu e o Felha podíamos ir junto. Ela perguntou quem era o Felha. Apontei para o outro lado da rua, e o Felha estava sentado, com a câmera digital, disfarçando. Ela olhou para sua empresária, olhou pra mim e, antes que respondesse, eu disse:
— O Felha é nosso amigo, é ele quem vai nos acompanhar. ­Vamos lá, vamos começar agora?
Ela não respondeu e começou a andar. Aderi imediatamente ao conceito “quem cala consente”, fiz sinal para o Felha, que se juntou a nós sorrateiramente, e fomos atrás. Eva caminhava devagar em direção ao norte da favela. Ela não disse com clareza, mas tudo indicava que estava indo ao encontro de um falcão. Eu já havia falado com vários daquela favela, conhecia muitos pontos de entradas e saídas. Agora nossa missão seria convencer esse falcão a ser filmado, tarefa nada fácil. Felha ligou a máquina e começou a filmar, mesmo de longe. Eva caminhava e olhava para trás, parecia ter começado a se acostumar com a idéia de ser filmada. O risco agora era na hora do ato, na hora do Kekéti.
Ela chegou num ponto de observação dos falcões, um local estratégico de onde eles vigiam a favela. Passou por baixo de uma cerca de arame farpado. De longe, vi que havia dois falcões. Eram conhecidos meus, mas não sabia se aceitariam a nossa presença. Sabemos que o tabu do crime era mais fácil de ser quebrado do que o tabu de uma possível ejaculação precoce, para aqueles jovens.
Eva se misturou aos rapazes sem muita cerimônia. Trocou beijos formais no rosto, pareciam gafanhotos em noite de núpcias: os machos ficam de longe, como quem não quer nada, as fêmeas fazendo cu doce, como quem quer menos ainda. Mas, no fundo, estão todos cheios de tesão, à espera de serem abatidos, um pelo outro. Em breve os três iriam deixar essa formalidade e entrar em transe sexual, e alguma coisa precisava ser dita. Nós não podíamos simplesmente ficar ali, sem dizer nada. Os rapazes estavam prontos para atirar, não em nós, mas na boca da boqueteira, e eu tinha duas opções: ou me retirava antes de ser convidado a sair, ou me adiantava e pedia para ficar. Foi o que fiz. Me aproximei, pedi licença, passei por cima da cerca, e fui desenrolar com eles. Deixei o Felha filmando ao lado da silenciosa produtora de gargarejo.
Dei meu papo, desenrolei com eles sobre os documentários, que eles já conheciam, e falei que gravar aquelas imagens seria muito bom para o nosso trabalho. Eu não podia falar muito nem eles queriam ouvir muito o que eu tinha para dizer. O que eles queriam mesmo era descarregar a leiteira, e quanto menos eu falasse, quanto mais rápido eles aceitassem, melhor pra todo mundo, já que eu deixei claro que, se fosse preciso, ia insistir na filmagem até o tesão deles passar.
A boqueteira não esboçava nenhum sentimento. A impressão era que ela dançava com qualquer música. Os rapazes se entreolhavam e olhavam para o Felha que estava longe, filmando.
— Celso, os amigo tão ligado que tu taqui?
— Tá todo mundo ligado, tá tudo dominado, mané! Tá tranqüilo!
— Já é, então, neguim! É nóis... mas não mostra minha cara não, valeu!
— Já é! — eu disse, demonstrando que meu vocabulário estava atualizado, pois temos que falar todas as línguas para sobreviver nessa selva!
Fui ao encontro do Felha, que continuava filmando, e fiquei perto dele e da garota, vendo tudo de longe. Seria muito abuso ficar ali do ladinho. Passei a observar tudo pelo zoommmmmmm sexual da máquina digital, PD 170 da Sony.
Os garotos eram novos, mas com peroba de adulto e virili­dade de rapina. Não era só isso, a tese da possível ejaculação precoce também foi radicalmente derrubada, a boqueteira teve que suar, e muito, a camisa com os garotos. Certamente a maconha que eles estavam usando devia retardar consideravelmente o gozo. Não sei o valor do boquete, sei que os garotos aproveitaram até o último centavo. E o dinheiro era bem usado, se considerar a alegria deles ao acariciar os cabelos e a nuca dela.
Eu observava cada detalhe, cada olhar, e vez ou outra, eu olhava pra empresária, para ver o que ela sentia. Ela parecia anestesiada, insensível, indiferente.
Os três foram bem diretos. Não houve nenhuma relação preliminar entre eles; nada de carícias, nada de toques, carinhos ou palavras de amor, ainda que mentiras de amor. A boqueteira era objetiva. Eles também não pareciam ter todo o tempo do mundo, até porque estavam em horário de trabalho.
A relação da Eva não era com os meninos, e sim com as suas mandiocas. Qualquer carinho feito nos seus mastros não deveria ser confundido com carícias em seus proprietários, e assim foi feito. Eva tratou de alisar a frente dos shorts dos meninos, fazendo saltar ainda mais os bichos que já estavam sobressaltados. Em seguida, ela invadiu o short e as cuecas dos dois ao mesmo tempo. A essa altura, eles não se importavam mais se estavam sendo filmados em close, ou em corpo inteiro, se os bruxos iam invadir a favela, se os alemão estariam atacando, ou mesmo se seus supervisores estavam prestes a passar. Tinha começado a putaria e nada é mais importante do que esse momento. Muitos filhos nasceram por conta dessa falta de controle; enquanto não segura na cabeça do pimpolho, existe chance de equilíbrio, mas depois do contato direto, fudeu, o mundo pode acabar que os falcões não estão nem aí.
Agora os cacetes dos rapazes estavam inteiramente de fora, correndo risco de pegar até um resfriado. Eva começava a sair da fase serena e entrava no ciclo da agressividade, alternan­do uma cafungada em um e no outro, para estimular sei lá o quê!
A boqueteira mordia os ovos dos meninos, que pareciam cães no cio. Foi subindo, alternando um e outro, e passou a fazer jus à fama, passou a boqueteá-los com maestria. Talvez estivesse caprichando para não fazer feio diante das câmeras. O transe deles me trazia à mente histórias sobre o Santo Daime, nem sei se tem mesmo a ver, mas é o que me passava na hora.
Eles se esqueceram da câmera, o Felha foi se aproximando, e agora o ato era compartilhado por todos nós, menos pela empresária, que ficou no mesmo lugar. Não sei se por disciplina profissional, ou por receio de deixar transparecer uma eventual excitação diante da cena sexual. O fato é que ela ficou lá, parada, fazendo de conta que nada estava acontecendo.
Eva parecia que ia quebrar o sorvete dos meninos homens, ela puxava pra cima, mordia, apertava, batia, eles pareciam o homem borracha. Eva parecia uma selvagem e era. Ela era tudo que eles queriam: selvageria insana em local não apropriado.
No fundo, eu tinha a impressão de que ela curtia a semi-orgia tanto quanto eles. Ela era melhor do que as mulheres dos filmes pornográficos que eu tinha visto salivar, era uma profissional da língua, realmente ela vendia felicidade.
— Hummmm hummm hummm!
Era o falcão mais clarinho gozando. Ele gemia bem baixinho, quase inaudível. A boqueteira tirou a boca e começou a tocar nele uma punheta caprichada, sem tirar a mão do outro garoto. Parecia que o rapaz ia morrer. Eu não sabia o preço do ato, mas se os rapazes tivessem um talão de cheques naquele momento, assinariam as vinte folhas e entregariam para ela em branco, sem pestanejar!
Ele gozou, e ela, como uma enfermeira paciente e experiente, passou a massagear o bilau do garoto na tentativa de esvaziar do canal pirocaneano os resíduos de porra que lá estavam.
Eva largou o clarinho, como um soldado numa guerra que acabara de abater mais um, e passou a perseguir a próxima vítima. Seu olhar de peixe morto parecia, contraditoriamente, mais morto do que antes. Agora ela passava a tratar do rapaz pretinho. Eva não parecia se intimidar com nada, sua língua tinha a velocidade de uma batedeira de bolo e o ódio de um leão selvagem, depois de pegar a sua leoa no mato com um carneiro.
Mas o Black Falcon parecia estar morto. Estava de pé, mas não parecia ter vida. Ele segurava na mão direita sua inseparável pistola e, com a mão esquerda, a janela do barraco, seu posto de vigília. Por fim, o falcão negro chegou ao seu sonhado orgasmo, que parecia, de verdade, ser o último, e se fosse, naquele momento não faria a menor diferença.
Eva tinha finalmente terminado seu trabalho. Tinha feito bonito novamente, e, claro, tinha garantido mais uma próxima visita, talvez no próximo plantão daqueles senhores com idade de meninos.
Ela cuspiu para o lado duas vezes enquanto os rapazes espremiam suas pirocas até que saíssem as últimas gotas de leite, evitando, assim, manchar suas sungas. Depois de cumprirem esse ritual, levantaram seus shorts, tudo devidamente acompanhado pelo Felha, e se dirigiram até a empresária. Não vi se pagaram com dinheiro ou com droga, mas ficou nítido um acerto entre eles.
Em seguida, já refeitos e felizes, pediram para a Eva meter o pé. Ela não discutiu, começou a andar. Dessa vez, não beijou o rosto dos meninos, ela parecia alterada, depressiva, triste. Começamos a caminhar com ela. A empresária se juntou a nós e fomos para a nossa entrevista. Antes, ela pediu para eu esperar mais um momento, disse que precisava dar um peteleco. Eu disse que podia dar durante a entrevista, que eu não me ­importava.
Chegamos numa escola de samba, onde aconteceria a conversa, e a primeira coisa que ela fez foi pedir para a empresária ir para casa. A segunda foi o tal do peteleco, e a terceira foi começar a me responder as perguntas sobre sua vida.
Entrevista com Eva
Por Celso Athayde
Celso: Como você começou a visitar os falcões na boca?
Eva: Eu comecei assim tipo, né, curtindo baile. Eu vinha pro baile, aí nisso eu conheci um garoto aqui, comecei a sair com ele. Sempre vim aqui atrás dele, nunca achava ele, né... porque eles são tudo cheio de mulher, aí saí com o colega dele.
Celso: Como eles te receberam?
Eva: Eu não sabia como lidar com bandido, aí os bandido me perguntaram se eu tava saindo com ele mesmo, se eu tava querendo ficá com ele mesmo, aí eu fiquei com ele... e com outros depois, aí nisso comecei a ficar saindo com um e com outro, entendeu?
Celso: E por que você fazia isso?
Eva: Eu sempre tive meu vício assim de cheirar, né... que eu não sou muito fã de maconha... aí ficava saindo com um e com outro aí... aí, uns me dava pó, outros me dava 5 reais, tá me entendendo? Aí tudo bem, eu fiquei, fiquei trabalhando aqui na favela... aí, depois todo mundo ficou ligado qual era da minha. Eu conheci uma colega também, a Lora, que me levou pra pista. Ela não trabalhava em favela não, só na pista, tá me entendendo? Só que eu não gostei da pista não, não me adaptei não, aí saí da pista, vim pra cá. Tô aqui até hoje, trabalhando com os falcão. Saio aqui, ali, mas não se apaixono por nenhum deles. Mas não é só eu não, têm várias garotas que fazem isso que eu faço, tem as batalhão também!
Celso: O que é isso?
Eva: São as menina que dão prum monte de cara na mesma hora, não muitos não. Tipo assim, cinco, seis caras... e as mina recebem deles. Mas eu não faço isso não. A minha é outra, eu comecei só fazendo o que eu faço hoje, é assim, assim que se começa. Você faz amizade, você vê uma amiga fazendo... você, pra não ficar sem graça, você faz também... fui querer imitar também pra num ficar sem graça. As outras me chamava de lerda, de bobona, queria me diminuir, eu quis ser melhor do que as outras... a gente sempre quer ser melhor do que os outros, né? Aí...
Celso: Tem quanto tempo?
Eva: Um ano... vai fazer. Já tem quase um ano, já acostumei. Daí, agora já levo já numa brincadeira. Não tem esses negócio de gostar, de se apaixonar, nem de prejudicar eles. Porque a gente sabe que eles têm mulher. Eu sei que eles têm mulher e que eu tô aqui mais pra fazer meu papel, que eu acho que é meu papel que eu tô fazendo. Eles me fortalecem alguma coisa e eu fortaleço eles também.
Celso: O que é fortalecer pra você?
Eva: Ah, numa droga... num dinheiro... ou alguma coisa que eu pedir, tá me entendendo? Numa casa pra eu ficar às vezes. É que eu saí de casa sem necessidade, porque eu tenho dois filho. Aí, eu saí de casa sem necessidade, aí vim pra cá e tô aqui até hoje. Mas eu tenho uma casa em outra favela... tá com a minha mãe. Ah, eles vive bem. Um com a minha mãe e outro com o pai dele. Minha mãe não sabe o que eu faço não... ela não sabe nem que eu cheiro... ela não sabe que eu tô aqui, saindo com um e com outro. Que eu sou isso tudo que eu sou. Ela nem imagina.
Celso: E como é o relacionamento com os caras?
Eva: Tem uns que não me dá nada. Eu saio, me engana e não me dá nada. Eu vô lá, pago um boquete neles, faço meu papel com eles e depois eles marcam, mandam eu ir na boca pegar meu dinheiro e não me dá nada. Às vezes querem até me agredir. Acontece muito isso... eles sabe qual é a minha, que eu gosto mermo de fazer essas coisas que vocês sabe... né, de fortalecê eles mermo, sair com eles mermo. Que se me procurar ou eu tô aqui ou eu tô ali, mas eu tô aqui dentro da favela mermo. Não sei de nada, tá me entendendo... só não fico perto de conversa errada... ainda mais eu, que cheiro, e às vezes bate neurose, as neurose são fogo, às vezes eu fico louca, louca. “Meu Deus, será que eles quer me matar? O que eles tá pensando de mim?” Eu fico pancadona, é fogo. É... depois que você cheira você fica assim... tipo... assim, você fica nervosa... eu fico nervosa... eu acho que as pessoas quer me matar... eu acho que as pessoas quer me usar.
Celso: Você tem medo?
Eva: Medo? Medo a gente tem, né, porque a gente não sabe qual é da cabeça deles, o que eles pensam. Ainda mais uma puta. Tipo assim... muitas mulheres queriam fazer o que eu consegui fazer... porque eu acho maneiro do jeito que eu consegui conquistar assim as partes daqui dessa favela, tá me entendendo? Todo mundo me conhece. Tem lugar que eu tenho o meu respeito, tem lugar que os outros já leva na brincadeira. Eu até tenho medo sim, mas o que eu sinto mermo é uma felicidade no meu coração. Falo do fundo do meu coração. A única coisa mermo ruim é a cocaína, ela é muito ruim. Quando eu fico pancadona, o medo aumenta, fica tudo escuro. Meu coração bate rapidinho, fico gelada, aí dá medo, eu acho que todo mundo vai me matar, que os menino vai tudo me matar e quanto mais tu cheira, tu quer mais é cheirar... quanto mais tu vê, mais tu quer. É isso. Mas nunca roubei, nunca fiz nada disso... meu medo sempre passa, meu medo vai passar.
Celso: Você faz o seu trabalho na boca de fumo?
Eva: Na boca não. Tipo que, ontem, um colega da boca botou o piru pra fora, aí queria até que eu fizesse... só que eu fiquei tão sem graça que era muita gente. Eu achei que eles ia querer também e por causa dos morador e por causa das mulher deles eu não fiz. Mas cheguei botar a boca, mas larguei na mesma hora. Eles sempre me leva pra uma escada, pra uma casa, pra um lugar que dá pra mim fazer. Atrás de um carro... aí eles goza e acabou o serviço. Mas também só faço as minhas coisas de camisinha... por causa da doença. Tem isso também... eu uso tóxico, cheiro, eu bebo... Então eu saio com muito home, então tem que ser... eu faço de tudo também, de tudo... tudo. Eu uso o corpo todo... sem limite... entendeu? Mas muita gente me conhece mais por causa da minha boca, da mamada. Nem todos saiu comigo pra me comer... mas é da minha boca que eles gosta, eles me chama para ir ali ou aqui rapidinho e eu sempre vou.
Acho que eles tão na pista na noite e fica sem ter o que fazer, aí gosta da minha mamada e me chama por causa da minha mamada, que eles adora. Nem sei como que eu aprendi... aprendi fazendo. Aí, de tanto eles falar que gosta, que pega aqui, ali, pra chupar aqui e ali, eu aprendi. Aí eu falo: “O que você tem pra me dar?” Aí eles falam: “Pô, eu tenho aqui um pó, eu tenho 5 reais, eu tenho 10 reais!!!”
Aí eu vou... eu nunca falo não... é um negócio sem limite... eu não tenho limite. Se começar agora, eu não quero saber que hora vai acabar. Não tenho limite. Eu nem acredito que eu faço isso tudo sozinha! É muito home pa uma mulher só... muito home pa uma mulher só...
Celso: Com quantos caras você saiu num só dia?
Eva: IIIIhhhh... é muito home que eu saio... é toda hora... mas só dentro da favela, só falcão... é vários home. Tipo vários mesmo, oito, nove... e eles me chama, eles gosta de me chamá e eu vô lá quando eles me chama. Eu não paro... eu só paro lá pras madrugada, quando a boca de fumo tá fechando... tá entendendo? Porque eu ando, ando todas as favelas até eu fazer um dinheiro maneiro pra mim comprar minha droga, pra mim ter o meu dinheiro pra mim comer, pra eu não pedir a minha mãe.
Celso: Quanto você ganha?
Eva: Ganho por dia. Aí, às vezes, eu faço um galo, às vezes eu faço 40, o menor dinheiro que eu faço é 15 ­reais... 15, é quando eu não quero fazer nada. Mas eu faço um dinheiro, eu gasto, aí eu faço de novo, aí, gasto, aí quando vejo de novo no outro dia, tô com um real... se tiver com um real. Aí vou pra casa da minha mãe, almoço, janto, e volto pra cá.
Celso: Você tem alguma preferência?
Eva: Não, tem não. Quero fazer meu dinheiro, comprá minha droga. Já fiz sexo aqui com menino de 13 anos... 13... foi legal. O primeiro foi de 13 anos, aí o segundo foi aquele lá! (ela aponta para um rapaz com um rifle, que aparenta ter 17 anos)... foi meu segundo... que eu sempre saio. Sempre saio com todos ainda, todos. Eu não diminuo ninguém por causa de idade. Saio com novinho, saio com mais velho, não tem idade não, eles são muito experiente pra idade deles. Os meninos aqui são muito experiente. Aqui, os meninos novinho, aqui, de 12 anos, já são bandidos, já tem imagem de bandido. Já tem a voz grossa, já é homi feito... eu acho. Aqui nesse mundo do tráfico, eu vejo eles como homi, respeito eles como homi... mas lá fora, eu vejo eles como uma criança que tá com a vida perdida, que não tá aproveitando nada... porque eu era da vida lá fora. Agora tô aqui dentro, tô com a minha vida parada. Aqui o negócio que tu vê é tráfico de drogas, só isso... drogas e mais nada... Dizem que a solução é só você entrar numa igreja, né... alguma coisa assim. Ou você viajar pra algum lugar bem longe. O negócio é você não querer procurar saber quem é a pessoa. O negócio é você fazer. Eu não quero saber que eles são bandido, ou o que deixa de fazer, eu quero saber de mim. Eu não saio com eles por causa das armas dele. Se eles tão sem arma eu tô saindo, se eles tão com arma eu tô saindo. Não é arma não, é o dinheiro, é a droga, eu gosto mesmo é desse lugar.
Celso: Como foi a primeira vez que você saiu com um cara aqui nessa favela?
Eva: Tipo que na primeira vez que eu saí foi com um menino, que eu saio até hoje, eu aprendi com ele, eu usava pó com ele, eu me escondia com ele, eu gostava dele.
Aí um dia eu vim atrás dele, ele não tava aí... aí, saí com o colega dele, depois disso, mandaram me chamar na boca, porque eles queria um matar o outro por causa de mim. Aí, o dono da boca mandou me chamá e eu desenrolei com ele, falei que eu não era de ninguém, que eu era da boca, que eu queria trabalhar na boca, para os menino da boca. O dono da boca mandou todo mundo embora e todo mundo teve que sossegar o rabo. Vado, esse colega dele, me chamou pra me dá conselho, até hoje ele me dá conselho. Ele diz que não acha bonito eu cheirando. Muitos desses garotos não acha bonito eu cheirando.
Celso: E as drogas?
Eva: Drogas... vai fazer um ano que eu já cheguei a me perder por causa de drogas... porque eu faço um dinheiro pra mim poder depois gastar tudo em pó. Emagreci muito de tanto cheirar, que eu cheiro muito... é fogo. Os meninos mermo fala que cocaína leva pro inferno. Que tem que saber usar, se controlar. Eu não acho que sou descontrolada. Assim, eu saio com os outros por causa disso, mas eu não me acho descontrolada por causa de pó. Às vezes eu me arrependo e pergunto pra mim mesma: “Que futuro é esse?”
Era pra mim estar em casa com os meus dois filhos, arrumar um marido, ter um marido homi, meus filhos são todos novinho... um é de um ano, outro é de 2 anos... aí, eu vivo nessa... Eu tô aqui, minha família pensa que é uma coisa e eu tô fazendo outra. (Longo silêncio) Pensa que eu tô aqui trabalhando em casa de família, tipo assim... aluguei uma casa e tô nela. Minha mãe tem vontade de vim aqui, só que eu não deixo. Ela vai saber as coisas que eu faço.
Celso: Como é a sua mãe?
Eva: A minha infância, eu fui criada com minha outra mãe. Minha mãe é funcionária do município, só que ela bebe muito, então eu nunca gostei de bebida, nunca gostei desse ambiente dela e nisso, depois que eu vim embora de Volta Redonda pra cá pro Rio, eu vivi nas bagunças dela. Eu via muita coisa errada que ela fazia. Então eu pensava assim: “Será que um dia eu vou ser mulher de bandido?” Eu achava assim, eu via muita colega da minha mãe sendo mulher de bandido. Eu achava que era um bom negócio, que dava dinheiro, essas coisa assim. Eu achava legal. Aí depois, quando eu me envolvi, eu vi que não era nada daquilo que eu pensava, é a perdição. Minha mãe também nunca foi interessada de saber se eu estava estudando. Eu engravidei. Engravidei uma vez. Tive meu filho. Aí falei pra minha mãe, minha mãe trabalhava em hospital, falei pra minha mãe tipo que eu queria tomar um remédio, essas coisas assim. Ela não... ela não ligou muito não... aí engravidei de novo. Tipo que meu outro filho não é do mesmo pai. Ele assumiu mas não é dele próprio. É de um outro menino que morreu. Ele morreu numa troca de tiro.
Celso: Os dois filhos são de bandido?
Eva: Um só, o outro não. O outro é de um 157. O pai do meu filho eu conheci com 12 anos. Quando eu engravidei, ele me largou, não sei por quê. Eu acho que ele não queria nenhum filho comigo. Eu não sei qual é a da cabeça dele, aí ele me largou e a gente tentou voltar depois que meu filho fez 7 meses. Aí eu larguei meu filho pra ir morar com ele, porque ele não queria meu filho junto com a gente. Aí a minha mãe sempre criou meu filho, sempre pagou alguém, né, porque ele saiu do meu peito cedo. Aí a gente desmanchou novamente, a gente não deu mais certo. Aí eu fui prum baile funk na favela da Chatuba e conheci o Cocada que agora é morto, tá me entendendo? Aí engravidei dele, aí tenho um filho dele que já vai fazer 2 anos agora em setembro. Ele não registrou porque não deu tempo.
Celso: Seu marido fazia o que mesmo?
Eva: Roubava, 157. Roubava. Não via meu filho. Meu filho não tem convivência de pai. Nem de mãe, né... Que a mãe tá aqui, que o pai não sabe nem onde que tá... um pai morto e outro, sei lá aonde tá... Aí é que eu arrumei um menino que tipo assim, que assumiu meu filho... um menino que eu namorei depois que eu engravidei desse segundo. Mas não demorou muito e colei com outro menino. A minha tia diz que isso é doença minha, mas eu sei que não é não, tem um montão de artista que é assim, que gosta de gente mais novinha. Arrumei um outro que assumiu meu filho, ele pensa que é dele, mas não é dele. Aí registrou esse meu filho que não era registrado, esse meu filho que vai fazer 2 anos e mora com ele. Aí eu vejo porque é perto da minha casa. A diferença é de um broco pro outro.
Celso: O que pensa que vai ser o futuro dos seus filhos?
Eva: Dos meus filhos? Aí, se depender da minha mãe, eles vão ter um futuro bom, tá me entendendo. Depender de mim... não sei... eu acho que o que eu passo, eu não quero que eles passem... mas também abandonar meus filhos, eu também nunca vou abandonar. Eu sempre vou tá do lado, agora tô longe, mas tô me preparando para ficar com eles. Por isso que não brigo com minha mãe, ela ajuda muito, eu falei dela, mas não tava julgando ela não, era só lembrança, não tava criticando não. As pessoas procuram o caminho da rua quando a mãe briga. Tem uns filhos que ainda faz safadeza, acontece muito isso, tem até aqueles que gosta mesmo é de enfrentar a mãe. Eu nunca me dei certo com a minha mãe, mas não critico ela não. Só tenho que agradecer, minha mãe queria que os pai dos meus filhos fosse tudo trabalhador, mesmo que fosse um pedreiro de obra, lavador de carro, alguma coisa, mermo que fosse um menino, acho que ela aceitava, um menino que vendesse bala no sinal, mas que depois voltava pra casa, que dormisse em casa. Mas não essa vida do tráfico assim. Isso é muito triste... a gente não sabe se a gente dorme... se a gente vai dormir hoje se a gente vai acordar... A gente não sabe se a gente vai ali e vai voltar. Eu posso falar porque eu me considero envolvida até demais. Eu me preocupo, eu fico na boca conversando. Eu vou nas contenção, fico perto, fico perto deles. Converso com eles até certa hora, até amanhecer. Porque eu dou força. Eu acho que eu tando junto, que eu tô ajudando ele a ver um rumo. Então essa é a minha forma de tá protegendo eles, não sei, eu penso assim.
(Silêncio. Ela fixa o olhar no chão de cabeça baixa.)
Eu tenho pena dos meus filhos, de ter botado dois filhos no mundo pra botar eles pa sofrer... porque acho que é um sofrimento. Meus filhos são tudo novinho, pequenininho e precisa de uma mãe do lado. E eu não dou esse carinho, né, e eles estão precisando.
Celso: E seu pai?
Eva: Não conheço... já nasci sem pai, não sei onde que ele tá. Não conheço não. Eu tenho vontade de conhecer ele. Bem, tipo né, a minha mãe tem um trauma, meu irmão tem um trauma. É um trauma que eu não tenho. Que, tipo, a minha mãe falou que quando o meu irmão era novinho e ela tava grávida de mim, ela pegou o meu pai com outro homi na cama. Então minha mãe tem um trauma... até hoje, minha mãe não tem homi nenhum. Ela só trabalha, ela gosta de beber a cerveja dela, mas homi mesmo ela não arruma. E eu não tenho essa vergonha de ter um pai viado. Respeito ele como meu pai, mas não conheço.
Celso: Você não tem preconceito?
Eva: Eu não, já tem muito preconceito com viado, com puta. As pessoas não bebe do mesmo copo que eles tão bebendo, as pessoas não fuma do mesmo cigarro, as pessoas não fuma a mesma maconha. Só as pessoas mesmo que é já amiga mesmo. Que tá sempre do seu lado e vendo como você é. Por isso que eu não posso ter preconceito com meu pai que eu não conheço, que eu sei que é viado, porque eu sô puta, e as pessoas tudo têm preconceito.
Celso: Você acha que sofre preconceito?
Eva: Eu acho que eu sofro sim. Onde eu chego as mulheres já saem tudo pra fora, tipo, tem dia que eu penso que elas quer fazer tipo aquela multidão pra me pegar. Já teve caso deu estar aqui na favela e a mulher de um cara bater na minha porta, fazer um show! A sorte é que tinha muito homi na minha casa e ele passou batido, como se ele não tivesse fazendo nada comigo. Que só tava ali mesmo de bobeira, pra poder vigiar na porta pra não entrar mais ninguém... As mulheres dos caras, elas têm que aceitar que a gente sai com eles mermo.Tem que aceitar porque eles qué assim, eles são assim. Então as mulé deles não têm que ficar arrumando confusão não, e nem ter preconceito contra nós. Mas eu sou muito criticada. As mães não gosta que as filhas anda comigo, pensando que eu tô levando elas pro mau caminho. Eu também não gosto que mexem com as minhas amigas, principalmente com a Terezinha, minha empresária, ela não faz o que eu faço não. Quando começam de gracinha eu já falo mermo que ela não é disso, mando o papo reto logo. Quem faz isso sou eu. Ela tá vindo comigo pra poder guardar o meu dinheiro pra mim, porque se deixar na minha mão, se eu for ver eu nem cobro nada. Vou sair fazendo, fazendo, fazendo. Cheirando, cheirando, fumando lá o que tem que fumar, bebendo e venho embora. Aí no outro dia tô com fome porque a gente só pensa naquele dia que a gente tem. A gente não pensa no outro dia.
Celso: Você já trabalhou?
Eva: Não, nunca trabalhei na minha vida. Eu, nunca. Eu não sei o que é lavar uma roupa. Saio daqui e levo roupa pra minha mãe lavar. Minha mãe já sofre comigo já há sete anos. Pô, com 12 anos colei com um cara, ainda novinha, larguei escola, larguei tudo pra viver com ele, sete anos. Depois me envolvi com mais outro. Engravidei. Só fiz merda. Depois tive que esconder da família toda do outro que ele não é pai. Só agora que ele sabe. Depois de meu filho grande. A gente nem se fala mais. Ele ficou muito revoltado. Porque eu podia falar isso desde o começo e não tive coragem. Ele já me pegou grávida e ele falava pra todo mundo que o filho era dele. A gente só não se fala, mas ele considera a criança como filho dele ainda. Graças a Deus.
Celso: Você acredita em Deus?
Eva: Eu acredito! Muito... Deus é tudo... é quando a gente tá no sufoco, a gente precisa mais ainda, tipo assim, a gente tá no perigo, a gente logo pensa em quem? Em Deus. “Deus, me tira daqui pelo amor de Deus... o que que eu tô fazendo aqui?” Deus pra mim é tudo! Primeiro ele. Tudo o que acontece comigo eu penso logo em Deus.