domingo, 24 de outubro de 2010

Tensão no ar

Por Celso Athayde



Essa semana, eu estava em Brasília e o meu telefone tocou. Atendi, era a cobrar... Aquela musiquinha que sempre me irrita e no geral eu não atendo, mas como eu estava em Brasília só poderia ser alguma bucha, logo não tive opção, melhor atender.

- Alô? 

Era uma voz de menina. 

- Pode falar. 


- É seu Celso?

Aquilo era foda, me transformava no Tio Sukita 

- Sim, é ele.

- Seu Celso aqui é a Dora, lembra de mim? 

Claro que eu não lembrava, mas não perdi a paciência. 

- Moça, quem te deu meu telefone? Fala logo que eu estou ocupadão, tá?! 

- Foi o pessoal da CUFA, sou a menina que o senhor procurava para falar sobre as gravações da Eva, lembra? 

Puta merda! Lembrei, claro que me lembrei, mas não acreditei, depois de tanto tempo o que essa menina de 13 anos quer comigo? Me denunciar? Não, isso não, eu não fiz nada, aliás, a voz dela era a mesma e minhas fichas começaram a cair, só que no entanto ela não tinha mais treze anos, pois cinco ou seis anos já haviam se passado.

Na época ela era linda, minha lembrança acordava. Será que ela está ligando para saber se o leão está vivo? Vai descobrir que está vivo sim... Tudo bem, sem juba, sem dente, sem força nas pernas, mas vivo e agora animado! Porém algo me puxou para a realidade, se ela está me ligando só podia ser problemas.

Continuei a ligação... 

- Fala ai garota, claro que me lembro de vocês, não é a parada do basquete? 

- Sim, isso mesmo!

Ela respondeu expressando um sorriso com ar de alivio e um pouco sem graça, foi perceptível até mesmo pelo telefone.

Disse então que precisava muito falar comigo, que era urgente e muito importante pra ela e não adiantou o assunto.

Nos encontramos no sábado e conversamos longamente, a menina não mudou nada, tem o mesmo rosto e cabelos, tudo igual.

Fiquei feliz por vê-la e preocupado com sua tensão, agia como alguém que estava sendo perseguida. 

Seu português era ótimo e sua desenvoltura era o que destoava da menina que conheci. Hoje ela está muito melhor e também conseguiu terminar o segundo grau.

Depois de falar sobre muitas coisas, o que parecia um aperitivo, finalmente entrou no assunto que justificava sua ligação: 

Vou resumir:

01 – Segundo ela, a Eva foi morta por pessoas que expulsaram o tráfico da favela onde moravam.

02 - Os filhos da Eva estão passando por dificuldades, morando na casa de pessoas que querem ajudar, mas não têm condições. 

03 - Ela fugiu e está escondida na casa de outras pessoas. Está assustadíssima e com medo de ser descoberta pelas pessoas que segundo ela tiraram a vida de Eva.

04 - Quer a minha ajuda, não pediu dinheiro, pediu que eu a ajudasse com uma creche e com trabalho. Disse que tudo que deseja é ajudar a arrumar a vida das crianças.

Nos despedimos, deixei R$ 50,00 com ela para voltar pra casa. Parti e ao longo do caminho fui pensando de que maneira eu poderia ajudá-la e não me sentir culpado, até porque, foram muitas pessoas com quem convivemos durante esses anos e não daria para ajudar todos. Mas por outro lado não dá pra fugir dessa missão e passei a pensar em soluções e alternativas que não expusessem a moça e sua vida. Não sabia da dimensão do problema, mas tinha certeza de que se fosse verdade o que ela dizia, os algozes da Eva saberiam de todos os seus passos, todos, inclusive os meus. Diante disso era necessário ter responsabilidade e muito cuidado.

Fiz contatos com algumas pessoas que deram várias sugestões, das mais impossíveis de serem realizadas, as mais simples que dificilmente daria resultado pra ela e para as crianças.

Entre algumas sugestões:

Criar um blog pra que ela possa se expressar;

Criar um Twitter;

Criar um facebook; 

Ela escrever um livro sobre suas experiências nesse universo;

Criar um grupo de pessoas que possa ter contato com ela. Existem hoje 50 (cinqüenta) pessoas dispostas a estarem em contato com ela. 

Minha decisão é:

Esperar os desdobramentos desses encontros com essas 50 pessoas;

Fazer a doação de um notebook e um modem 3G para que ela possa ter contato com o mundo externo;

Ir à comunidade aonde ocorreu o problema e falar com as lideranças para saber se ela corre risco ou não;

Fazer um contato com a Editora Objetiva e apresentá-la na tentativa de produzir um livro.

Diante de tudo isso, espero poder ajudá-la comprando alguns de seus livros e assim a promovendo. Essa é a maior ajuda que poderei dar, diante das circunstâncias e fazer com que ela se junte a tanta gente iluminada, originando assim uma nova rede.

Vida longa querida Dora!

Quanto a Eva, que ela esteja num bom lugar!


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